domingo, 12 de setembro de 2021

 

O tocador de Kissange


Recentemente, um amigo de infância, companheiro de muitas tropelias, enviou-me esta fotografia tirada por ele, já há muitos anos na cidade em que crescemos – Nova Lisboa, actualmente chamada Huambo. Levou-me logo a fazer uma viajem no tempo, agarrado nas asas da memória até à minha infância. E lá estava ele, o tocador de Kissange, sentado junto à porta da loja da minha mãe,  a mostrar a sua arte e a tentar recolher umas moedas para o seu sustento. A imagem é tão forte que até me parece sentir o cheiro do tabaco enrolado que fumava no seu cachimbo.

Não era uma presença constante, mas a espaços lá aparecia, talvez empurrado pela necessidade.

Os sons que tirava daquele instrumento rudimentar deixavam-me maravilhado. Ainda hoje, quando um músico africano inclui um solo de Kissanje nos seus trabalhos, desperta logo a minha atenção, e quase sempre o meu agrado.

É constituído por uma tábua de base, retangular, onde se fixam uma série de peças metálicas de tamanhos diferentes, presas a um cavalete metálico. Por cima das lamelas é aplicado um travessão metálico, sendo solidarizado por ganchos também metálicos. As lamelas,  pressionadas pelos polegares, produzem cada uma sons diferentes.

O número de lamelas varia consoante a região onde é produzido, podendo variar entre 7 e 22.

Normalmente funciona em cima de uma cabaça, que lhe serve de caixa de ressonância.

Em Angola chama-se Kissanji  ou Kissanje, embora em algumas zonas seja conhecido por Tyitanzi.

Pode ser feito à base de bambu, sendo então chamado de Mbwetete.

Existem instrumentos similares noutros países:

- em Moçambique, chama-se Mbira e tem duas séries de lamelas, a superior com 15 e a inferior com 7.

- no Congo e África Central o Sansa tem só 7 lamelas colocadas sobre um caixa de ressonância.

- noutros locais varia o número de lamelas e assume outros nomes -Kalimba ou Karimba no Uganda

           -Mangambeu, nos Camarões

           - Kondi, na Serra Leoa

           - Marimba, na África do Sul

           - Likembe

           - Budongo, etc.

Também da América Latina me trouxeram dois instrumentos semelhantes, aparentemente para vender aos turistas, mas que pode terá ver com a tradição levada pelos escravos africanos.

Na minha coleção pessoal tenho um exemplar original que me trouxeram da Namíbia.



Da África do Sul trouxeram-me este exemplar, já com aparência de ser destinado a turistas, mas ainda não sendo evidente.



Do Brasil e da Argentina me presentearam com estes outros dois exemplares, que não deixam dúvidas sobre o seu objectivo de serem um “recuerdo” para turista levar para casa. 




Já tentei tocar o instrumento mas não fiquei satisfeito. 

Vou-me justificando dizendo que não está conveniente afinado....

domingo, 29 de agosto de 2021

 

Fitas das Queimas


Por um acaso da História, fiz o meu percurso universitário sem ser submetido a praxes, nem participar em Queimas das Fitas e outras manifestações da condição de estudante.

Pessoalmente nunca senti falta dessas actividades, e penso que o seu recomeço, após vários anos de suspensão, não vieram trazer nada de positivo à vida estudantil. Muito pelo contrário, vieram dar oportunidade ao aparecimento de comportamentos condenáveis a todos os títulos, e à generalização de atitudes menos corretas como se fossem as mais naturais do mundo.

Uma bela noite de Maio de 2003, fui beber um copo à Diligência, um bar que há muito frequentava, e onde por vezes tocava viola e cantava umas baladas do Zeca Afonso ou do Adriano. Para mim era a oportunidade de encontrar outras pessoas que gostavam de ouvir ou cantar a Canção de Coimbra ou o fado de Lisboa.

Pois nessa noite o ambiente estava alterado pelo comportamento pouco cívico de uns quantos estudantes de capa e batina, que se exibiam alcoolizados e mal-educados.

Vendo a noite estragada por aqueles energúmenos, escrevi estas reflexões na toalha de papel da mesa onde estava sentado.

Possívelmente, saí de Coimbra antes da maioria dos meus visados….


“Cunha” à Academia

Desta velha Academia

tão sombria e tão vetusta

educar e dar saber

devia ser  causa justa

Mas por suprema ironia

em vez de gente prá luta

tem dado a esta Nação

a nata dos filhos da p_t_

Deu ditadores, cardeais,

praxistas e outros mais...

Vestem de capa e batina

ouvem só a própria voz

que julgam de ave canora

Todo o mundo lhes pertence

já , aqui e agora!...

Por favor, Academia

“de qualquer forma, sei lá...”

se um canudo os convence

dá-lhes o curso depressa

e manda-os daqui pra fora!

Nós ficamos por cá...

 

Ferreira Mendes

Queima das Fitas

2003-05-09

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

 

Esqui na Serra da Estrela

Nos anos 60 do século passado podemos afirmar que em Mortágua não havia adeptos do esqui. Mas havia, pelo menos, duas excepções, como comprova a fotografia que aqui publicamos.


O srs. Abraltino Lobo e Artur Eugénio Leitão aqui se apresentam na Serra da Estrela, em bom estilo, ao que parece com material alugado localmente. Consta que se adaptaram rapidamente e se divertiram bastante com a nova actividade desportiva.


quinta-feira, 29 de julho de 2021

 

A Molhelha

Em 1966, os meus pais que por essa época viviam em Angola, vieram passar férias ao torrão natal, onde eu morava há cinco anos em casa dos meus avós maternos e estudava no Externato Infante de Sagres. Terminada a época dos meus exames, decidiram dar uma volta a Portugal que durou cerca de duas semanas. Na primeira semana rumamos  a sul e regressamos a Mortágua; na segunda semana fomos para norte, sempre fazendo muitas etapas. A intenção era conhecer melhor o país, que nunca houvera oportunidade de conhecer.

O meu pai tinha uma máquina fotográfica e íamos captando algumas imagens da nossa viagem. Vasculhando fotografias antigas, encontrei esta que foi obtida na zona de Trás-os-Montes, em localidade que não posso precisar.

 


Para nós foi uma surpresa, ver uma junta de bovinos com algo que pareciam almofadas na cabeça. Confesso que nunca soube o nome que lhes era atribuído, nem a sua função.

Só agora fui procurar a resposta para essas dúvidas. Aquilo que parece uma almofada, chama-se molhelha e serve de facto para suavizar o contacto com o jugo de madeira que une os dois elementos da parelha.



Da internet retiramos também uma fotografia de Américo Correia que nos mostra melhor a estrutura da molhelha e as restantes peças que completam o equipamento.



A figura do carreiro, a fazer uma pausa na sua actividade também é uma imagem que certamente não poderemos ver ao vivo nos dias de hoje.

domingo, 18 de julho de 2021

 

Homem Orquestra


Na segunda metade dos anos oitenta, durante vários anos passei férias na praia de Mira, geralmente acampado no parque municipal, ora em tenda de campismo, ora na roulotte que o meu pai me disponibilizava quando as minhas filhas vinham passar férias comigo.

Tenho boas memórias dessas férias, que beneficiavam do facto de eu anteriormente ter estabelecido relações de amizade com vários residentes da localidade.

Mesmo entre os frequentadores do parque havia um bom ambiente de convívio, dinamizado por campistas que há muito ali passavam as férias. Ainda me lembro dos convívios musicais que ocorriam na zona das tendas da família e amigos do maestro César Anjo, que, para esse efeito, deixavam uma pequena clareira entre elas.

Mas hoje quero deixar-vos as fotografias que tirei deste homem orquestra, que periodicamente aparecia na esplanada do bar do parque, e de quem, infelizmente, não consigo dizer o nome, que se perdeu na bruma do tempo.

Conversei com ele. Disse-me que normalmente trabalhava na agricultura durante todo o ano, mas quando chegava o Verão tirava uns dias para se vestir a preceito, pegar nos seus instrumentos, e ir até aos locais onde se juntavam os turistas mostrar as suas capacidades musicais.

A iniciativa era compensadora do ponto de vista da convivência com outras pessoas, e era economicamente rentável. A execução podia não ser a melhor, mas a música era muito animada.







terça-feira, 29 de junho de 2021

 

Arte de Xávega á maneira antiga  - Mira

xávega é um tipo de pesca artesanal  feita com  um equipamento que é composto dum longo cabo com flutuadores, tendo na sua  parte média uma rede terminada por um saco de rede de forma cónica.

O aparelho é lançado de um barco que deixa em terra uma das extremidades do cabo e vai largando cabo pelo mar adentro até chegar à zona da rede, que é largada paralelamente à costa. O barco regressa a terra, largando a outra metade do cabo com os flutuadores e é retirado do mar. O aparelho é tracionado para terra pelos 2 cabos simultaneamente. Tradicionalmente a tracção era efectuada por duas juntas de bois, em cada cabo,  a trabalharem alternadamente e apoiadas pela equipa de homens que fica em terra. Actualmente os bois foram substituídos por potentes tratores que facilitam a entrada do barco no mar, a sua retirada, a tracção da rede e todos os trabalhos penosos que esta actividade  implica.

Em 1987, fui dispensado do trabalho nos Hospitais da Universidade de Coimbra, pelo director do Serviço de Ortopedia, durante o mês anterior ao exame final do Internato de Ortopedia, como era habitual nessa altura. Um colega e amigo, o Dr. Altino Santos,  disponibilizou-me  a casa que a sua família tinha na praia de Mira, para melhor me poder isolar e concentrar na preparação do exame.

Para descansar dos períodos de estudo, pegava na máquina fotográfica e ia espreitar o trabalho dos pescadores, que anteriormente nunca presenciara. Aproveitei para tirar algumas fotografias que hoje publico. Nessa altura não havia máquinas digitais, e os curiosos, como eu, tinham maior dificuldade em tirar boas fotografias, porque entre o momento de fotografar e o de observar o resultado, havia um intervalo de vários dias.




























Depois de recolhida a rede, o peixe era separado por categorias e leiloado na praia.

***

Nessa época começou a ser cada vez mais difícil encontrar quem revelasse as películas a preto e branco, e depois fizesse um boa impressão, aproveitando a qualidade dos negativos. Como não tinha material, nem conhecimento, para fazer esse trabalho, acabei por aderir à fotografia a cores.


























Em próxima publicação mostraremos a prática actual, que substituiu os bois por tratores, aliviando muito o esforço humano despendido nesta actividade.